De acordo com o Considerando n.º 5 do Reg. (CE) 1/2005, “Por razões de bem-estar dos animais, deverá limitar-se tanto quanto possível o transporte de animais em viagens de longo curso, incluindo o transporte de animais para abate”. Ora, entende-se por ‘viagens de longo curso’ aquelas cuja duração é superior a 8 horas, inserindo-se neste conceito o transporte de animais vivos por via marítima de Portugal para países terceiros fora da União Europeia.
Manifestando preocupação pelo não cumprimento do Considerando n.º 5 do Reg. (CE) 1/2005 por parte dos Estados Membros, e atendendo a que, por exemplo, a viagem de Portugal para Israel tem a duração mínima de 6 dias (i.e. de 144 horas, dezoito vezes superior ao limite sugerido), e que este período é muitas vezes excedido em duas a três semanas (perfazendo um total de 360 a 528 horas), o Parlamento Europeu fez aprovar uma Recomendação no dia 14 de fevereiro de 2019 onde “Lamenta que os progressos na aplicação do Regulamento (CE) n.º 1/2005 realizados pelos Estados-Membros tenham sido insuficientes para cumprir o objetivo principal do regulamento, que consiste em melhorar o bem-estar dos animais durante o transporte, em particular no que respeita à verificação dos diários de viagem e à aplicação de sanções; insta os Estados-Membros a melhorarem substancialmente o cumprimento do regulamento; insta a Comissão a assegurar uma aplicação eficaz e uniforme da atual legislação da UE relativa ao transporte de animais em todos os Estados-Membros; exorta a Comissão a intentar ações judiciais e a aplicar sanções aos Estados-Membros que não apliquem corretamente o regulamento”.
As normas vertidas no Reg. (CE) 1/2005 vinculam apenas os Estados Membros e, consequentemente, o transporte entre e para países comunitários, pelo que, não sendo aplicáveis a países terceiros, deixam, não raras vezes, os animais de origem comunitária legalmente desprotegidos.
A título de exemplo, a UE obriga a um período de repouso obrigatório de 12 horas após a chegada dos animais ao destino (alínea b) do ponto 7 do Capítulo V) e que as condições de transporte devem ser “verificadas regularmente e mantidas de forma adequada” (as alíneas g) e h)). Contudo, diversos registos comprovam que essas normas não são cumpridas.
Também no que diz respeito ao manuseamento dos animais obriga-se que o pessoal responsável deve “possuir a formação ou competência adequada para este fim e desempenhar as suas tarefas sem recurso à violência ou a qualquer método suscetível de provocar medo, lesões ou sofrimento desnecessários” (artigo 3º, alínea e)), e que o ”uso de instrumentos destinados a administrar descargas elétricas deve ser evitado na medida do possível, e só podem ser utilizados em bovinos e suínos adultos que recusem mover-se e apenas se estes dispuserem de espaço suficiente para avançar” (capítulo III do anexo I). Todavia, durante os embarques, a PATAV tem vindo a registar, com regularidade, diversas práticas proibidas: agressões (pontapear e bater), utilização de instrumentos pontiagudos, arrastamento pela cabeça, orelhas, cornos, patas e cauda, descargas elétricas em situações fora do enquadramento legal, desnivelamento de rampas, etc.
Já no que se refere à condição dos animais no desembarque, os registos da ONG Israel Against Live Shipments comprovam que a legislação comunitária não é cumprida a bordo dos navios. Os animais chegam ao destino cobertos de fezes, desidratados, alguns doentes, feridos, cegos ou moribundos.
Talvez por estas e outras razões, a já citada Recomendação do Parlamento Europeu venha também lamentar que “determinadas questões relativas ao Regulamento (CE) n.º 1/2005 ainda não tenham sido resolvidas, nomeadamente: a sobrelotação, a altura livre insuficiente, a ausência de períodos de paragem necessários ao repouso, à alimentação e ao abeberamento, a inadequação dos sistemas de ventilação e de abeberamento, o transporte em calor extremo, o transporte de animais inaptos, o transporte de vitelos não desmamados, a necessidade de determinar o estado de gestação dos animais, o nível de controlo dos diários de viagem, a relação entre a infração e a aplicação da sanção respetiva, o impacto «misto» da formação, da educação e da certificação e a insuficiência de material de cama”.
A responsabilidade pelo tratamento dos animais a bordo pertence ao Estado português em virtude do imposto pelo Acórdão do Tribunal de Justiça Zuchtvieh-Export GmbH contra Stadt Kempten de 23 de abril de 2015, que alargou a competência da União Europeia perante Estados terceiros. Este acórdão veio estabelecer que o transporte deve ser controlado desde a sua origem até ao destino, ainda que este se sedie fora das fronteiras da União Europeia. Para além do diário de viagem com referência a todo o percurso, o acórdão dispõe também sobre a necessária e premente presença de um veterinário durante as viagens – o que não acontece em mais de 90% das viagens com início nos portos nacionais.
Importa ainda referir que o estatuto jurídico dos animais, que veio reconhecê-los como seres vivos dotados de sensibilidade e os autonomiza do regime jurídico das coisas (publicado em Diário da República a 3 de março – Lei nº 45/2017 art. 201.º-B do Código Civil), não tem correspondência no Código Penal, excluindo-os da tipificação legal. Quer isto dizer que maus tratos infligidos a animais de pecuária estão fora dos normativos penais (Cf. artigos 387.º a 389.º do Código Penal).
Por fim, considerando as provas dos incumprimentos que infligem dor e/ou sofrimento, e o facto de existirem animais que adoecem e morrem durante o transporte, é urgente que Portugal adote as medidas necessárias à proteção do bem-estar dos animais de pecuária durante toda a sua vivência, de acordo com o que é, aliás, reconhecido na lei.