O negócio de produção e transporte de animais de Portugal para países do Médio Oriente e Norte de África assume graves repercussões éticas.
A produção de animais com a finalidade de serem abatidos para consumo levanta questões relacionadas com o seu bem-estar animal, agravadas quando estes são transportados vivos para países terceiros.
A visão que legitima a instrumentalização de animais tem conduzido as indústrias a encará-los como objetos, máquinas ou ferramentas, com o intuito único de gerar lucro ou sanarem situações de crise económica. As consequências acabam por se repercutir nas condições em que os animais são criados, geralmente em parques de engorda que chegam a albergar 12 mil cabeças em simultâneo. Este número elevado de animais pode ter consequências no seu bem-estar, impedindo-os de expressar o seu repertório de comportamento natural.
O pretexto para a exportação de animais vivos é o de suprir uma necessidade dos países que os recebem, que alegadamente não dispõem de espaço suficiente para a sua produção e que pretendem cumprir rituais religiosos (abate kosher e halal). Contudo, 60 eminentes rabinos Israelitas já fizeram saber que este tipo de transporte sujeita os animais a grande stress e sofrimento, impedindo que a sua carne possa ser considerada kosher ou halal (respectivamente).
De relembrar ainda que os animais exportados (na sua maioria ovinos e bovinos), são seres sensíveis e dotados de complexas capacidades cognitivas e sensíveis (para uma revisão sobre as capacidades destes animais ver, por exemplo, Marino & Allen, 2017 e Marino & Merskin, 2019).
O transporte é efetuado para países que se encontram a largas distâncias de Portugal. Israel – o principal destino – encontra-se a 5.895 km, obrigando os animais a enfrentar vários dias de viagem com óbvias e nefastas repercussões, atestadas pelas imagens recolhidas durante o desembarque pela organização Israel Against Live Shipments.
Independentemente das condições em que os animais são criados e mantidos, são inevitavelmente sujeitos a condições insalubres durante as viagens, afetando profundamente a sua saúde e bem-estar.
Para além das situações acima descritas, que constituem a regra, importa não esquecer outras de cariz excecional e que também assumem drásticas consequências para os animais envolvidos. Em agosto de 2016, o navio Hosltein que transportava animais de origem portugueses com destino a Israel sofreu uma avaria no motor que o obrigou a permanecer 26 dias em alto mar. Milhares de jovens bezerros adoeceram e outros morreram, desidratando após condições severas de diarreia, lesionando-se e ficando afundados dos seus excrementos, sem água nem comida.
Também em 2019, o mesmo navio voltou a avariar por duas vezes obrigando a paragens de emergência. De igual forma, o navio Uranus II avariou, tendo regressado ao porto de Sines depois de dois dias em alto mar, onde permaneceu uma semana em reparações, sem que os animais tivessem sido desembarcados.
Situações mais graves ocorreram em outros navios provenientes de diversos países. A título de exemplo, no dia 24 de novembro de 2019, cerca de 15.000 ovinos morreram afogados no mar negro após naufrágio do Queen Hind que as transportava da Roménia para a Arábia Saúdita.
As normas nacionais e comunitárias são reiteradamente violadas. Não fora bastante, os animais são enviados para países com menor ou até inexistente proteção legal, sem qualquer preocupação revelada pelo Estado português.
Hoje, mais do que nunca, há já um despertar de consciências, não obstante continuarmos num estado deveras preocupante no que diz respeito à proteção dos animais de pecuária, quer no âmbito da sua produção, quer transporte, ou mesmo abate. A questão não é eles (os animais) pensam? Ou eles falam? A questão é eles sofrem. Nenhuma verdade me parece mais evidente que os animais serem dotados de pensamento e razão tal como os homens. Os argumentos neste caso são tão óbvios, que nunca escapam aos mais estúpidos e ignorantes. Jeremy Bentham, filósofo
Referências Marino, L., & Allen, K. (2017). The psychology of cows. Animal Behavior and Cognition, 4(4), 474-498. Marino, L., & Merskin, D. (2019). Intelligence, complexity, and individuality in sheep. Animal Sentience, 4(25), 1.