Portugal tem uma pegada ecológica que continua acima do ideal. Se cada pessoa no planeta vivesse como uma pessoa média portuguesa, a humanidade exigiria mais de dois planetas para sustentar as suas necessidades de recursos. Efetivamente, segundo o relatório de 2018 da WWF (World Wildlife Fund), Portugal ocupa o 66.º lugar no ranking da pegada ecológica mundial. Este relatório demonstra que a pegada ecológica dos portugueses foi sempre muito elevada comparativamente com a biocapacidade do país, que se tem mantido mais ou menos constante desde 1961.
Devido ao crescimento exponencial das exportações de animais vivos, a pegada ecológica portuguesa aumentará ao invés de diminuir, indo contra o programa nacional para as alterações climáticas 2020/2030, que visa precisamente diminuir as emissões de gases com efeito de estufa entre 30% e 40% face a 2005.
Nesta sequência, no final de 2018, o Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, defendeu uma redução de 25% a 50% na produção de bovinos. Contudo, a pressão exercida pelo setor não permitiu aquela redução, comprometendo assim a descarbonização em Portugal, visto que a própria criação de animais e o seu transporte - rodoviário e, com maior impacto, marítimo - têm uma contribuição substancial nas emissões.
Impacto da Criação de Animais
A indústria agropecuária é um dos sectores com grande impacto ambiental, sendo responsável pela emissão de gases com efeito de estufa; e é a maior consumidora e poluidora de um dos mais importantes recursos naturais - a água.
Estima-se que a indústria agropecuária contribua com 18% de todas as emissões de gases de efeito de estufa mundiais – valor superior ao do setor dos transportes, de acordo com o relatório da FAO (Agência para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas; página 271). Segundo este relatório, o setor, que ocupa 26% de toda a superfície terrestre, é responsável por 9% das emissões antropogénicas de dióxido de carbono (CO2), mais de 37% de metano (CH4; a maior parte da qual é resultante da fermentação das fezes de ruminantes), e 65% de óxido nitroso (N2O; maioritariamente proveniente dos dejetos dos animais). E, segundo a CIWF (Compassion In World Farming), as consequências ambientais serão catastróficas caso até 2050 não se reduzam as emissões de gases em 80%.
Em Portugal, no ano de 2017, o conjunto da agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca eram responsáveis por 13,3% (7 924,8 toneladas) da emissão de gases com efeito de estufa. A agropecuária surgia em terceiro lugar entre os setores mais poluidores, atrás das indústrias transformadoras (22,5%) e da eletricidade, gás e vapor (26,3%). (Dados da Pordata). Da agropecuária resultam também químicos que levam à acidificação das águas, com consequentes implicações na saúde pública e nos ecossistemas.
Em 2017, esse mesmo conjunto da agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca corresponderam aos setores mais potenciadores da acidificação de águas em Portugal. Este setor utiliza o azoto - ou nitrogénio - libertado nas fezes dos bovinos, em pesticidas e fertilizantes. O azoto é um composto químico com sérias consequências ambientais, para além da acidificação das águas.
As emissões de metano com origem no gado criado para consumo da sua carne aumentaram 48% em Portugal entre 1990 e 2017, sendo que este gás é 25 a 100 vezes mais destrutivo para o planeta que o dióxido de carbono emitido por veículos. No que toca à libertação de dióxido de carbono - gás cuja emissão causa a subida do nível do mar e a acidificação dos oceanos - um estudo de 2020 considerou a contribuição da agropecuária na libertação deste gás, em Portugal, e concluiu que é “preciso alcançar um nível mais elevado de desenvolvimento sustentável”.
A produção pecuária tem também um grande impacto sobre o uso de água no planeta, gastando 8% da água global que a humanidade usa, maioritariamente para irrigação de colheitas para a alimentação de gado. Por sua vez, isto resulta na necessidade de construção de barragens, construções com impacto ambiental muito significativo, e no aumento da quota de água de barragens.
Para além disso, a pecuária gera grandes poluentes da água, resultantes do tratamento ineficiente dos dejetos dos animais, da presença de antibióticos provenientes das suas fezes, bem como da utilização de fertilizantes e pesticidas nos campos usados para alimentar os mesmos.
Esta indústria pode ser também uma ameaça às espécies de animais e de plantas – inclusive a espécies endémicas. O uso de terrenos para agropecuária diminui a área disponível para animais selvagens, nomeadamente para o lince-ibérico, o lobo-ibérico e as suas presas naturais. Em casos extremos em que as populações de presas naturais diminuem ou ocupam áreas restritas, passa a ocorrer um conflito entre o ser humano e as espécies selvagens – por exemplo, no caso do lobo-ibérico. Considerando as espécies vegetais, é impossível não referir os impactos negativos nos bosques de sobreiro do sul de Portugal – os montados. Estes estão em risco de conservação devido à sobreexploração dos seus territórios, com consequente degradação do solo e comprometimento da regeneração natural. Assim, o Montado, ecossistema exemplar que revela o equilíbrio entre o homem e a natureza, essencial para a economia portuguesa - pela cortiça - e de enorme importância ecológica¹,²,³, encontra-se em risco face à crescente pressão do setor agropecuário.
Impacto do Transporte de Animais
O transporte marítimo tem várias implicações negativas no ambiente, tais como: a poluição marítima (derrames de óleos e produtos químicos) e atmosférica (emissões de gases com efeito de estufa); o transporte acidental de espécies exóticas (que podem competir com espécies locais pelo habitat, comida, etc., eventualmente levando à sua extinção local); a poluição sonora (com grande impacto na comunicação e, daí, na conservação de espécies marítimas); e a difusão de sedimentos contaminados provenientes de portos e navios.
É evidente que o tráfego marítimo está a aumentar, assim como os seus impactos. Nomeadamente a poluição causada pelo consumo de combustíveis fósseis por parte dos navios, e consequente libertação de dióxido de carbono. A título de exemplo, o transporte marítimo de animais vivos está entre os 40 maiores poluentes na Austrália.
Este transporte pode ainda contribuir para a acidificação dos oceanos, uma vez que os seus excrementos são atirados ao mar. Conforme a estimativa publicada no The Maritime Executive, o transporte de 1 milhão de bovinos por ano equivale a cerca de 20kg de excrementos por bovino diariamente. Logo, considerando uma duração média de viagem de 10 dias, equivale a cerca de 300 000 toneladas de excrementos atirados ao mar por ano. Fazendo um cálculo semelhante, mas considerando ovinos, a estimativa ronda as 42 500 toneladas.
Por último, carcaças de animais mortos são atiradas ao mar e, embora não se conheçam os impactos concretos que isto tem nos ecossistemas marítimos, a Western Australians for Shark Conservation sugere que pode ter um impacto relevante nos padrões de migrações dos tubarões.
Em suma, os recursos portugueses – nomeadamente a água e o solo - são usados para criar animais que não serão consumidos em Portugal, potenciando problemas de saúde nas populações que vivem próximas às explorações, aumentando o número de terrenos e águas afetadas pela acidificação e afetando populações vegetais e animais, algumas de enorme relevância para Portugal e outras de valor único mundial.